Época Negócios faz um balanço dos fundos Corporate Venture Capital no primeiro semestre, mostra como ter seu próprio fundo de CVC e lista algumas das principais empresas que apostam nesse mercado
Apostar apenas nas equipes internas para aprimorar serviços e identificar novas oportunidades de negócios já não parece mais o melhor caminho para as companhias se manterem competitivas. A velocidade de transformação imposta pelas tecnologias, que se aprimoram a todo o momento, e da exigência dos consumidores, exige novos caminhos. Segundo a plataforma de inovação Distrito, as grandes corporações precisam se associar às startups se não quiserem ver seus negócios ultrapassados em poucos anos. Entre as principais iniciativas nesse sentido está o CVC (Corporate Venture Capital). Apesar de ainda recente por aqui, quando comparado aos Estados Unidos e Europa, a modalidade vem ganhando força.
Em 2022, o volume de investimentos foi de US$ 797,90 milhões, um salto em relação a 2020, que alcançou US$ 242,36 milhões. O boom veio durante a pandemia. “Antes, apenas algumas companhias, as mais visionárias, estavam se relacionando e investindo nas startups. Com a covid-19, empresas em geral viram a necessidade de se digitalizar, o que gerou uma virada nesse mercado”, explica Rodolfo Santos, diretor de CVC da Bossanova Investimentos. Aliado a isso, questões como a baixa na Selic na época, por exemplo, movimentaram esses investimentos.
Como em todo mercado, no entanto, altos e baixos acontecem. Nos seis primeiros meses deste ano, como reflexo da taxa de juros que cresceu no mundo todo e o colapso inesperado do Silicon Valley Bank, banco do Vale do Silício responsável por manter os ativos de quase metade das startups de venture capital dos Estados Unidos, os investimentos caíram um pouco. De acordo com o Distrito, os deals diminuíram 49,10% em comparação ao semestre anterior, e grande parte deles foi realizada em empresas menores, o que reduziu o volume de recursos (veja mais detalhes no quadro abaixo). Até agora, foram 199 rodadas, nas quais as startups brasileiras captaram US$ 778,1 milhões.
“Isso não quer dizer que o momento é ruim, apenas que estamos passando por um ajuste de rota por conta do momento macroeconomico”, afirma Eduardo Fuentes, head de Research do Distrito. Até porque, em um mundo no qual o software está redefinindo o modelo de negócios das empresas, é natural que os desafios das corporações estejam relacionados à tecnologia e, consequentemente, novos investimentos precisem acontecer.
Na visão de Rodolfo, apesar de a Selic ter um grande peso, o mercado vai continuar crescendo pelo fato de o CVC ter o diferencial de alinhar pilares fundamentais, como o retorno financeiro; estratégico, que é um negócio criar um novo produto para uma empresa; e o operacional, como redução de custos. “Esses três ganhos só são possíveis com o CVC”, diz. No longo prazo, segundo ele, estar perto das startups tentando prever o que vai acontecer e a entrada de novos players no mercado fazem a Selic ser o menor dos problemas.
“À medida que as empresas crescem e o setor fica mais competitivo, é importante investir em tecnologia para auxiliar processos, aumentar o market share e melhorar o atendimento. O CVC é uma maneira de impulsionar a inovação e o empreendedorismo”, explica Priscila Rodrigues, presidente da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP). De acordo com ela, todos os setores podem se beneficiar do CVC. “Qualquer empresa que tenha impacto de digitalização e precise de modernidade tem vantagens. Se há uma tecnologia que possa ajudar e impulsionar melhorias de processos e a experiência do consumidor, vale a pena”, completa.
Da teoria à prática
Há duas maneiras de investir nesse setor: com a abertura de subsidiária, chamada de empresa de propósito específico (SPE), e por meio de negócios especializados em investimentos. No caso de criar internamente, Priscila reforça que alguns cuidados são necessários, como ter uma equipe dedicada e com profissionais que possuem competências na área. O perfil de executivo que, normalmente, atua nas áreas de operação e comercial não é o ideal. Ela explica que o profissional deve ter competências como experiência em construção e avaliação de negócios, diligência de investimentos, habilidade para testar modelos de receitas e faro aguçado para startups com serviços e receitas comprovados. “É preciso olhar para o CVC como um negócio da empresa e não como um centro de custos”, diz.
É importante entender, ainda, que o CVC é uma forma de investimento que não necessariamente acontece rapidamente. A empresa pode demorar de três a cinco anos para ter retorno. De acordo com Vitor Magnani, presidente do Movimento Inovação Digital (MID), o CVC é uma evolução do modelo de inovação aberta, já que assume compromissos internos da corporação em inovar e se transformar. “O ponto de preocupação em relação aos CVCs é o formato de influência e controle sobre a startup investida, que deve ter autonomia e liberdade para continuar validando novos modelos de negócios” afirma.
Eduardo também ressalta esse ponto. É essencial controlar a vontade de “apoiar” demais o empreendedor, querendo tomar as rédeas do negócio. “No fim do dia, isso limita a atuação das startups e acaba com o seu maior propósito, que é navegar no desconhecido e propor soluções disruptivas”, diz. Tão importante quanto isso é o alinhamento de cultura. Isso quer dizer que tanto a alta cúpula da companhia, seus acionistas e CEO, quanto diretores e gestores precisam estar alinhados.
Veja, a seguir alguns dos principais fundos CVC no Brasil:
– Afya
Em maio deste ano, a Afya, hub de educação e soluções médicas, anunciou o primeiro investimento por meio de seu CVC na Lean Saúde, healthtech que possui uma plataforma que usa tecnologia e ciência de dados para criar valor para a gestão de saúde corporativa. O valor não foi informado, mas a expectativa da empresa é acelerar o desenvolvimento de algoritmos preditivos para atuar de forma mais eficiente na gestão dos planos de saúde. O objetivo é, por meio de investimentos minoritários e priorizando startups em estágio inicial (seed) e em início de escala (série A), desenvolver oportunidades de transformação em saúde e educação no médio e longo prazos, reduzindo o tempo de reação às mudanças do mercado e ampliando a visão em áreas de tecnologia emergentes.
– ArcelorMittal
Apesar de já ter um CVC global, a companhia criou, no final de 2021, um fundo local, o Açolab Venture, que tem como gestora a Valetec e um caixa de R$ 100 milhões para investir em startups. O primeiro aporte foi na Aval Tecnologia, desenvolvedora da Agilean (plataforma de gestão da construção civil). A decisão baseou-se no fato de que a startup possui tecnologias da indústria 4.0 para aumentar a produtividade dentro do canteiro de obras. Por meio da plataforma Agilean, por exemplo, utiliza no setor da construção civil tecnologias como inteligência artificial e IoT aplicadas diretamente à gestão da produção. A expectativa da companhia é alcançar a meta de 10 a 15 investimentos até 2025.
– Banco BRB
No início deste ano, o Banco de Brasília anunciou seu fundo de Corporate Venture Capital para investir em startups early stage de todo o país. Com a liderança da Bossanova Investimentos e da KPTL, a ideia é aportar, inicialmente, R$ 50 milhões, tendo como foco startups de serviços financeiros, agronegócio, seguridade, inteligência artificial, blockchain e administração pública. Serão duas frentes: a primeira voltada para desenvolver e educar empresas e empreendedores em estágios iniciais de maturidade e, num segundo momento, o intuito é reinvestir nas empresas que demonstrarem melhor tração.
– Banco do Brasil
A instituição anunciou, no início de 2022, a estruturação de dois fundos de investimento proprietários, que serão parte de seu programa de CVC, com as gestoras MSW Capital e Vox Capital. Com o valor de R$ 200 milhões, o Banco do Brasil vai investir em startups estrategicamente interessantes para o negócio, mas um dos fundos está focado em gerar impacto socioambiental positivo. Em junho deste ano, foi anunciado o investimento de R$ 4 milhões na Payfy, plataforma que oferece soluções para ajudar empresas a gerenciarem gastos corporativos, em uma rodada seed.
– Braskem
Em setembro de 2022, a Braskem lançou o Oxygea Ventures, braço corporativo de capital de risco da petroquímica. A ideia é criar um hub de negócios com base tecnológica para a geração de soluções inovadoras em sustentabilidade e circularidade, o que pode ultrapassar as áreas de atuação da companhia. Além disso, está relacionada ao objetivo de atingir os compromissos públicos da empresa relacionados à redução de emissões de carbono e à ampliação da taxa de reciclagem de plástico. O fundo tem disponível US$ 150 milhões e está concentrado em duas divisões. A primeira, de R$ 100 milhões, está voltada a startups em late-stage, especialmente séries A e B. Já a segunda, de R$ 50 milhões, para early-stage, ainda no estágio inicial. Atualmente, há quatro empresas incubadas, uma do segmento de impressão 3D, outra do setor de logística, uma da indústria 4.0 voltada para plásticos e a última de redução de impactos ambientais.
– Mercado Livre
O fundo CVC da gigante de comércio eletrônico, Meli Fund, foi criado em 2013 na Argentina, país onde a empresa foi fundada, e chegou ao Brasil em meados de 2019. Só em 2020, seis startups receberam investimentos: as brasileiras Warren, BizCapital, Kangu, Pier, EmCasa e Carflix, e a argentina Intuitivo, com aporte total de R$ 30 milhões.
– Renner
A varejista lançou o RX Ventures em 2022 com o objetivo de investir R$ 155 milhões em pelo menos 10 startups, considerando quatro anos de investimento e mais quatro de desinvestimento. A iniciativa é administrada pela Ahead Ventures, gestora de fundos de corporate venture capital, e tem como foco startups early stage, em estágio seed ou série A. O primeiro aporte foi na Logstore, startup que atua com comércio digital de varejistas, com uma plataforma para centralizar as vendas digitais, o que permite conciliar os pedidos de múltiplos canais com os estoques das lojas físicas para acelerar a logística de última milha. Na sequência, investiu na Klavi, que, por meio de IA e open finance, analisa milhões de transações e cria inteligência, empoderando seus clientes a desenvolverem produtos e serviços financeiros melhores. Este ano, durante o Web Summit, anunciou o primeiro aporte no exterior, na Radar, startup norte-americana.
– Panvel
Denominado Panvel Ventures, a rede de farmácia criou seu CVC no segundo semestre de 2022, em parceria com a aceleradora Ventiur. O intuito é investir em startups com soluções nas áreas de saúde e bem-estar, em linha com o core business da companhia, além de negócios voltados a melhorar a experiência do cliente para varejo e inteligência operacional. O primeiro aporte foi na Lincon. A empresa não abriu o montante total que pretende investir por meio do fundo, mas o foco são negócios pré-seed e seed e, eventualmente, série A.
– Suzano
A companhia brasileira de papel e celulose criou, em junho de 2022, a Suzano Ventures, fundo CVC com US$ 70 milhões para investimentos em startups early stage (pré-seed, seed e Série A), em especial deeptechs que possam construir uma economia circular e regenerativa por meio da produção e uso de biomateriais inovadores. O primeiro investimento anunciado em abril deste ano foi de até US$ 6,7 milhões na Allotrope Energy, desenvolvedora de baterias de lítio-carbono do Reino Unido.
– Totvs
Em 2021, a empresa brasileira de software anunciou seu CVC para destinar R$ 300 milhões em startups nas áreas de saúde, varejo, manufatura, serviços financeiros, agricultura e educação, com prioridade para negócios que atuem no desenvolvimento de SaaS (Software como Serviço) e gestão e tráfego de dados.
– Vale
Lançado em junho de 2022, a Vale Ventures conta com um fundo de US$ 100 milhões para investimento em startups que desenvolvam soluções e tecnologias ambientalmente sustentáveis na área da mineração. A ideia é investir em até 20 empresas em um espaço de aproximadamente cinco anos. Este ano, a companhia investiu US$ 3 milhões na Allonnia, startup de biologia transformacional com sede em Boston (EUA), que desenvolve novos sistemas biológicos para uso em aplicações industriais.
– Vibra Energia
Por meio da Vibra Ventures, fundo de R$ 150 milhões para investimento constituído no ano passado, a empresa visa oportunidades e tecnologias inovadoras complementares a sua área de atuação ou, ainda, novos negócios, produtos e serviços. Os aportes serão realizados em negócios de estágio inicial (mix seed) e mais estruturados (série A), além de participação em cotas de outros fundos setoriais. A primeira startup foi a EZVolt, que conta com soluções para recarga de veículos elétricos em condomínios residenciais, estabelecimentos comerciais e frotas corporativas, num investimento de R$ 5 milhões. Este mês, a empresa liberou um novo aporte de R$ 10 milhões na startup de eletromobilidade com o intuito de reforçar seu posicionamento nesse ecossistema.
– Vivo Ventures
Lançado em abril de 2022, o Vivo Ventures, CVC da Vivo, detém R$ 320 milhões para investir em startups de estágio growth com soluções nas áreas de saúde e bem-estar, educação, energia, casa inteligente, marketplace, serviços financeiros e entretenimento. Os dois primeiros investimentos foram nas fintechs Klavi, plataforma de software as a service líder em agregação de dados, analytics e serviços API, com um aporte de R$ 15 milhões; e no Klubi, fintech autorizada pelo Banco Central para operar como administradora de consórcios no Brasil, cujo investimento foi de R$ 10 milhões em uma rodada que levantou o total de R$ 30 milhões. O Vivo Ventures investiu, ainda, R$ 14,34 milhões na Digibee, principal plataforma de integração como serviço (iPaaS) do mercado brasileiro.
Matéria publicada na Época Negócios em 21/08/2023